sábado, dezembro 24, 2005

Dia de Natal*


Hoje é dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

*António Gedeão

segunda-feira, novembro 28, 2005

25 de Novembro

25 de Abril e 25 de Novembro: o que significaram estas datas? Duas revoluções? Uma revolução a dois tempos? Duas visões distintas da democracia? O início e o fim da revolução?
*
A minha visão pessoal do 25 de Novembro põe esta data na mesma ordem de importância do dia em que o regime autoritário e conservadorista de Oliveira Salazar e na altura conduzido por Marcello Caetano caiu por terra, legitimado pela acção e vontade de um povo que aspirava a ideais democráticos; não digo isto de ânimo leve, pois se o 25 de Abril derrubou uma má visão de como e onde deve o poder político ir buscar a sua legitimidade, por outro lado instaurou o caos e a desordem, não só social, mas também política, económica e militar, mergulhando o país numa penosa busca pelo equilíbrio democrático que visões partidárias assimétricas tornavam difícil. Por isso digo, de acordo com aquilo que me é dado saber – já que não presenciei in loco -, que o 25 de Novembro foi a data que salvou Portugal e a democracia de uma guerra civil anunciada e talvez de uma outra ditadura, desta feita da esquerda revolucionária e militarista. Penso que esta data, por controversa e indesejada por uns, tem sido sucessivamente esquecida e posta em segundo plano e nem sequer relembrada nas comemorações do 25 de Abril. O período revolucionário foi conturbado, de resto cometeram-se excessos e actos no mínimo censuráveis, pessoalmente – e só para enumerar alguns- nunca poderia concordar com reformas agrárias, com apelos revolucionários em sectores do MFA e a sua ascênsão política, com o processo de independência das colónias, etc... contudo é natural que o extravasar de emoções sistemáticamente reprimidas a isso conduzisse.
*
Na minha óptica o 25 de Novembro foi a consubstanciação e o triunfo daquilo que viria a ser o sonho de uma República Democrática em Portugal; esse triunfo deve-se em grande parte a um óptimo trabalho de bastidores do intitulado “grupo dos nove”, com especial destaque para Ramalho Eanes e Costa Gomes que, pressionando o Conselho da Revolução, conseguem primeiramente retirar os poderes de intervenção para restabelecimento da ordem pública do COPCON(Comando Operacional do Continente) comandado pelo General Otelo Saraiva de Carvalho (próximo dos revolucionários) - neutralizando assim os SUV(Soldados Unidos Vencerão) que, tentavam no seio do MFA e em conjunto com a esquerda revolucionária, instituir um Poder Popular de Base de cariz militarista; numa segunda etapa, procurando apoio nos militares moderados, no PS e PPD e também no PCP – junto do qual obtiveram a confirmação de que este partido não convocaria seus militantes para uma luta de rua - decidem assim, com a estrita colaboração dos Comandos da Amadora, neutralizar os militares revoltosos que ocuparam a Base de Monsanto, tal como o Regimento da Polícia Militar (unidade esta, também próxima da esquerda revolucionária), mais tarde destituem do cargo de Comandante do COPCON Otelo e do cargo de Chefe de Estado Maior do Exército Carlos Fabião, indo ocupar o cargo deste o General Eanes. Com o acima referido consenso partidário, o "grupo dos nove", consegue também controlar e retirar poder às forças conservadoras e neofascistas que vinham crescendo.
*
Poderá ter sido conspiração ou empolamento de uma instável situação; poderá ter sido um golpe ou um contra-golpe; a verdade é que esta data marca o início da estabilidade para o processo que culminaria com a aprovação da Constituição da República (2 de Abril de 76), das eleições legislativas para a formação do I Governo Constitucional (25 de Abril de 76) – das quais saiu vitorioso o Dr. Mário Soares e das eleições presidenciais (27 de Junho de 76) – das quais sai vencedor o General Ramalho Eanes.
*
Abril não foi só um dia...

sábado, outubro 22, 2005

Resultados e opinião

Está aberta uma nova votação neste espaço, pelo que dou por encerrada a votação sobre os preços dos combustíveis, esta vigorou por um período de 22 dias e teve como resultados:
Proibitivo - 7 votos
Elevado - 12 votos
Acessível - 0 votos
Baixo - 0 votos
Diminuto - 2 votos
TOTAL -21 votos
A minha convicção recai sobre a hipótese com mais votação, a verdade é que os sucessivos aumentos - em minha opinião e na linha do que em anterior "post" escrevi - são impostos por factores artificiais e externos à lógica do mercado.
*
Acima de tudo o sector dos combustíveis precisa de ordem e de uma voz autoritária e reguladora; e o Governo precisa de avaliar bem os sectores em que deve ir buscar receitas extraordinárias, pois se o mercado dos combustíveis é, em sede de receitas do Estado, apetecível e lucrativo, duvido que os milhões de euros que entram diariamente nos cofres do Estado numa filosofia assumida de relançar a economia, não acabem por ser uma faca de dois gumes e tenham como resultado final a contracção do consumo e o aumento generalizado dos preços; a não ser que seja este o objectivo último: mais inflação = mais receitas em impostos. Será?

sábado, outubro 01, 2005

O Polvo!

(clique na imagem para ampliar)
  • Rabiscos de devaneios nestas tardes quentes de estudo....de resto dá para ver as fracas qualidades de cartoonista...ehehe

terça-feira, setembro 27, 2005

A triste sina dos combustíveis.

Foto da refinaria de Sines
Quando me dirijo a um posto de abastecimento da Galp o que acontece na prática é que pago: o petróleo, o Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISPP), o IVA, a inflação, lucro “anormal oligopolista” da Galp e o lucro do concessionário, ora sendo assim estou a pagar dois impostos directos (IVA;ISPP) e dois impostos indirectos (lucro “anormal oligopolista” da Galp; inflação), vamos lá a ver então se nos entendemos, é que eu não estou para pagar o enriquecimento da Galp e seus accionistas (incluíndo o Estado) à custa de sacrifícios de todos nós. De notar que no primeiro trimestre de 2005 esta empresa quintuplicou os seus lucros e atenção que estamos em período de recessão... A Galp é em parte uma empresa para a qual todos os portugueses pagaram impostos para serem justamente servidos, portanto não temos que pagar os lucros extraordinários de um mercado em que o Estado faz parte ele próprio de um cartel que visa unicamente, numa lógica de ineficiência económica, lesar os interesses da procura, que perante este bem não tem justas alternativas. Não basta já o despotismo económico praticado por esses srs. do grande cartel que é a OPEP.
*
Para aqueles que tal como eu aspiravam à liberalização do sector dos combustíveis e observavam nisso uma mais valia económica de justiça a todos os níveis, principalmente no preço final pago pelo consumidor, é notório o quão nefasta essa medida se tornou. Contudo mantenho a minha firme convicção, penso que sempre que possível e independentemente do sector nunca devem os preços ser estabelecidos administrativamente, mas sim pela lei da oferta e da procura até se encontrar um preço de equilíbrio que a todos eficientemente satisfaça. Pois bem, não digo isto de ânimo leve ou por romântismo idílico; primeiro, não sou obrigado a pagar a má administração de empresas públicas, os seus prejuízos e seus baixos níveis de eficiência no mercado; em segundo, tenho plena consciência que estamos perante um sector que actua eminentemente em regime de oligopólio (quando existe um número restrito de empresas que controla a maior parte do mercado de determinado bem), que controla verticalmente a produção e horizontalmente a distribuição, que apresenta do lado da oferta uma relação quantidade-preço muito elástica (ou seja, a mesma quantidade a qualquer nível de preço vender-se-à sempre) e do lado da procura o inverso, i.e., inelasticidade (tenderá a diminuir pouco o consumo, mesmo com a subida de preços), por outro lado não se nota por sua vez neste bem o efeito de rendimento (com a diminuição dos recursos financeiros as mesmas quantidades vão ser procuradas), nem tão pouco o efeito de substituição (procura de um bem substituto a este recurso) e a eventual procura por um sucedâneo. Neste contexto económico é decerto apelativo porque fácil ou vice-versa, falsear a concorrência ou recorrer a práticas restritivas da mesma, como o abuso de posição dominante ou abuso de dependência económica.
*
Deixando então os argumentos económicos passemos aos jurídicos. Muito embora estejamos ainda com algumas lacunas em sede de dto. da concorrência, a verdade é que a legislação comunitária já nos deu o “impulso legiferante” que tanto precisávamos, sendo certo porém que há um longo caminho a percorrer. Entre os diplomas legais mais importantes destacaria a Lei 10/2003 que cria a Autoridade da Concorrência(AC), a Lei 18/2003 que aprova o regime da concorrência e o modo de actuar da AC, os artigos 81.º e 82.º do Tratado CE e o Regulamento (CE) n.º1/2003 relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.º e 82.º do Tratado. É à AC que vou dedicar mais atenção, pois não obstante acreditar no liberalismo económico que se vive, sei porém que o mercado por si só cria desigualdades que não consegue de per si suprir, pois é nesses casos que propugno a intervenção do Estado enquanto entidade reguladora (indirecta) e fomentadora de novo equilíbrio que a todos satisfaça; imaginemos um árbitro numa partida de futebol (não de futebol português, claro!), este terá que ser observador, diligente e interventivo no estritamente necessário, umas vezes chamando a atenção, outras vezes sancionando as atitudes incorrectas, outras ainda beneficiando o prejudicado (por imperativo do caso em apreço, o consumidor). Por outro lado deve fazê-lo discretamente de forma indirecta através de enquadramento legal e de organismos autónomos com poder sancionatório (caso da AC). Bem sei que a legislação é escassa e com lacunas e que por vezes é difícil provar as práticas de cartel, fáceis de camuflar, mas bolas, ao menos uma explicação pública do fenómeno só para mostrar que Governo e AC estão ambos atentos à situação e prontos a intervir caso seja imperativo. Por tudo isto urge encontrar uma solução, que, a meu ver, passa pela melhor regulamentação e enquadramento legal, tal como uma actuação mais eficaz e articulada das entidades competentes, já temos a base, vamos trabalhar!
*
Para quem há pouco tempo me dizia: “...mas o Governo já nada pode fazer, pois já não controla o sector”; ao que eu respondi: “o Fernando Gomes foi nomeado para quê? e o Armando Vara?”. Ao que parece a Galp Energia que detém a maior cota do nosso mercado petrolífero, é uma holding controlada pelo Estado Português - 29,26%, ENI- 33,34%, REN- 18,3%, EDP - 14,27%, Iberdrola - 4%, Parpública - 0,75%, Portgás - 0,04% e Setgás - 0,04%, o que perfaz um total de 47.56% em conjunto com a REN que também é controlada pelo Estado (e já excluindo a EDP!), portanto temos que, o Estado controla de forma indirecta os preços dos combustíveis. Bem sei que é complicado “mexer” em empresas deste género principalmente quando cotadas em bolsa, mas a verdade é que se a Galp baixasse os seus preços, por “arrasto” todas as outras gasolineiras (principalmente a gigante Repsol) o fariam. Por outro lado seria impensável ver o Governo ameaçar as petrolíferas com um possível imposto ao lucro como medida equilibradora do mercado, pois na prática teríamos o Estado a penalizar o seu sector empresarial o que equivalia a “cortar os seus próprios pés”, ainda noutro prisma também não imagino a vergonha de a AC multar o Estado; apesar de esta entidade ser tutelada pelo Governo e seus órgãos nomeados em Conselho de Ministros, não duvido da idoneidade e competência das pessoas em questão.
*
Neste contexto agouro que muitos postos de combustível em Portugal junto à fronteira vão encerrar, talvez aí a Galp se lembre que terá que recuar na sua política unilateral de fixação de preços, já que pelos vistos não podemos contar com a Autoridade da Concorrência para pôr ordem no mercado, seja por inoperância ou falta de meios legais, seja por momentânea pressão governamental.
*
Mas de uma coisa estou eu certo, podemos continuar a pedir responsabilidades ao Governo nesta questão, pois este método jurídico-burocrático de encher os bolsos e sair de cara lavada perante a opinião pública, pelo menos para mim não cola!
*
Abraço ao leitor e peço desculpa pelo interregno forçado por imperativos académicos;

sábado, setembro 03, 2005

"DESCOBRI-VOS!" (completo)

Ele não estava perdido, o caminho era curto...a certeza era só mais um passo!... Numa manhã de intensa neblina matinal em que o orvalho das forragens trás à memória a ténue imagem da espuma do mar de uma qualquer enseada, vai Júlio de mão dada com sua mãe à beira da estrada. Enquanto lhe afaga a cabeça, diz-lhe para enfiar na mesma o seu pequeno gorro de lã preta. A viagem decorria sem sobressalto, ao ritmo do trautear monocórdico da voz masculina de seu pai e do ranger sistemático do aro já empenado no guarda lamas da velha pasteleira. O trautear cessou. O semblante de ambos os progenitores ficou num ápice carregado. Um tom soturno instalara-se. Júlio já não era um miúdo - pelo menos julgava-se assim -, tinha a certeza que era só mais um passo e as lágrimas brotariam que nem riachos cristalinos alimentados por chuvas de consoada.. Sua mãe não se conteve. Júlio não gostava daquelas árvores esguias nem do seu cheiro, ele sabia que ao seu aproximar sua mãe choraria. Desta feita ao segundo cipreste o pranto de sua mãe era enorme. Não era comum. “É uma data especial!” -pensara. Mas não se recordava ao certo. Quase simultaneamente sua mão desprendera-se de sua mãe dando lugar ao estancar da marcha e a um forte abraço entre os dois. “Porque choras? Não gosto de ti assim!” –disse Júlio. Sua mãe sorriu, ainda que envolta em lágrimas. Volvidos à marcha, só pararam novamente em frente ao imaculado mármore que continha uma foto em tons sépia de alguérm que o rapaz não conhecera e umas quantas palavras em seu nome. Sua mãe tirara-lhe já o pequeno gorro de lã preto. “Vai olhar pela bicicleta!” -disse seu pai friamente. “Põe o gorro à saída!” –retorquiu a mãe. Júlio não tinha por hábito questionar ordens, mas ultimamente sentia-se imbuído de um espírito que era misto de curiosidade e descoberta. Chegado ao portão preto de ferro, ligeiramente oxidado, reparou de rompante na incrição em cantaria da coluna direita da entrada do cemitério. “DESCOBRI-VOS!” À memória ocorreram-lhe logo os verbos, seus tempos e algumas conjugações, que aprendera até esta última Primavera. A neblina deu lugar à ténue mas pranzenteira luz de meia estação. O imperativo era óbvio, tal como o verbo descobrir, pensara instataneamente. Vós era a segunda pessoa do plural, aí lembrou-se do truque que ao plural equivale sempre um singular. “Descobrir-tu!” Havia algo a descobrir, mas o quê? Instintivamente procurou pistas. Havia uma data. Era demasiado óbvio. “Talvez...descobrir a mim?” -pensou. Isto não fazia sentido na sua cabeça. Ele não estava perdido e o caminho era curto, portanto a certeza era só mais um passo! Não hesitou, voltou a entrar, agora com o pequeno gorro de lã preto na cabeça e partiu em busca de seu nome ou sua foto. Os pardais praticavam já o matinal bailado, com seu gracioso esvoaçar. A enseada mudara-se agora para o céu. E Júlio procurava. Encontrou médicos filantropos, cuja população os méritos agradecia; reparou em grandes maestros de carreira; viu abastados empresaários em magníficos mausoléus, outros homenageados como beneméritos em causas sociais; encontrou também bravos militares que sua pátria muito honraram e por ela pereceram; viu também sepulturas em que a campa não existia, a homenagem era feita pela cor argilosa da terra que se confundia com ressequidas pétalas, mas de colorido garrido. Ele não estava perdido, o caminho era agora ainda mais curto, tal fazia da certeza só mais um passo. Essa era sua convicção e avançou determinado. A verdade é que a busca fôra infrutífera, não se encontrara. Sentia-se enganado. A enseada celestial dera lugar ao cinzento cerrado dos enormes e agourentos farrapos de algodão sujo. “Vai chover!” -pensou para consigo mesmo. O melhor é ajeitar o pequeno gorro de lã preto e voltar para junto de seus pais – foi o que fez sem hesitar. Ele estava perdido, o caminho fora longo e a incerteza invadira-o a cada passo!...
*
Ao tomar o caminho de regresso para junto de seus pais, Júlio reparou num senhor de meia idade, de cabelo e barba grisalha e já um pouco calvo, que sentado e enconstado a uma campa o fitava com um ligeiro sorriso. A curiosidade assaltou-o novamente e de rompante, como se de um impulso provocado por um inexplicável magnetismo se tratasse, dirigiu-se até aquele estranho personagem. Com toda a cortesia que lhe fora ensinada indagou:“Desculpe, costuma estar aqui muitas vezes?”; “Digamos que não tenho muitos sítios para onde ir Júlio!” -disse o enigmático senhor ; “Como é que sabe o meu nome?” –perguntou o rapaz. “Sei tudo sobre ti!” –replicou. “Sei que andas à procura de ti, mas no sítio errado”. “Ai sim? Então onde é que devia procurar?” –disse Júlio num tom arrogante. “Bem, não te deves procurar,nem entre os vivos, nem entre os mortos, pois questionar os vivos é o mesmo que guiar um rebanho de ovelhas: apesar serem todas diferentes tenderão a seguir a vontade somente de uma; por outro lado questionar os mortos é o mesmo que fazer perguntas a um livro: apesar de te poder ensinar bastante, jamais estabelecerás um diálogo com ele; portanto só questionando-te a ti próprio te encontrarás: imagina que colocas uma rolha de cortiça no nascente de um rio, primeiro irá atravessar uma etapa estreita e agitada, depois o rio irá alargando a pouco e pouco e as águas agitar-se-ão cada vez menos e por fim tomarás contacto com o mar e poderás constantar com clareza que os teus horizontes se tornarão tão ilimitados quanto a tua vista pode abarcar e quanto a rolha irá boiar. Só assim encontarás a tua essência”. “E o que é a minha essência?” –perguntou Júlio. “A tua essência são as escolhas acertadas que tomares em vida e que te farão feliz na morte”. “E quais são as opções?”; “As opções são ilimitadas, infelizmente não terás opotunidade de experienciar muitas...mas apesar de tudo serás exemplo para muitos...hoje aprendes-te a procurar os porquês, mesmo se te parecerem absurdos ou ingénuos, pois não há nada pior que ser-se adulto, estes agem sem espanto perante a vida, aceitam facilmente a monotonia, as regras e a opinião comum como o caminho certo, não alcançam o tempero da vida, o sal do mar: imagina a tristeza que seria ao saíres da escola e não teres contigo os caramelos que tanto gostas de saborear!” Posto isto, o senhor de cabelo grisalho agarrou na mão de Júlio e disse: “Faz com que estas palavras se tornem num ensinamento para que te visitará!” Júlio não percebera e não tivera tempo de perguntar pois ouviu a voz de sua mãe e deslocou o olhar no seu sentido. “Procurei-te por toda a parte, já te disse que não deves andar com o gorro enfiado na cabeça aqui dentro...e o que fazes junto da campa do teu avô falando sozinho?” -resmungou sua mãe. Quando Júlio virou novamente a face à procura do seu interlocutor, este desaparecera, mas mais chocante era o facto de a foto agora visível pela ausência do corpo do senhor de cabelo grisalho ser a imagem precisa do mesmo. Júlio absorto não foi capaz de articular uma só palavra. “Vamos embora! Já estás atrasado para a sessão de quimioterapia!” –disse sua mãe. Foi quando Júlio voltou a cair em si e se entristeceu, olhou para a sua mãe e disse: “Quero que estas sejam as palavras da minha campa”. E deu-lhe o papel que lhe fora ofertado momentos antes. Sua mãe sabia que ele não tinha ainda consciência da sua débil condição física, por isso fez um esforço tremendo para conter a mágoa e aceitou. Júlio faleceu duas semanas depois, sem nunca se aperceber que o “descobri-vos” era aplicado com o sentido de instar as pessoas a tirar o chapéu em sinal de respeito, para quem ali se encontrava sepultado e agora para com ele próprio. Na sua pequena sepultura, ao lado da de sua irmã, podia-se lêr: "DESCOBRI-VOS! NÃO TIREIS O CHAPÉU, PROCURAI ANTES ESPANTAR-VOS COMIGO, CONVOSCO E COM O MUNDO QUE VOS RODEIA!" Todos nós andamos perdidos, o caminho será longo e a incerteza virá a cada passo...!

terça-feira, agosto 30, 2005

"DESCOBRI-VOS!"

Ele não estava perdido, o caminho era curto...a certeza era só mais um passo! Numa manhã de intensa neblina matinal em que o orvalho das forragens trás à memória a ténue imagem da espuma do mar de uma qualquer enseada, vai Júlio de mão dada com sua mãe à beira da estrada. Enquanto lhe afaga a cabeça, diz-lhe para enfiar na mesma o seu pequeno gorro de lã preta. A viagem decorria sem sobressalto, ao ritmo do trautear monocórdico da voz masculina de seu pai e do ranger sistemático do aro já empenado no guarda lamas da velha pasteleira. O trautear cessou. O semblante de ambos os progenitores ficou num ápice carregado. Um tom soturno instalara-se. Júlio já não era um miúdo - pelo menos julgava-se assim -, tinha a certeza que era só mais um passo e as lágrimas brotariam que nem riachos cristalinos alimentados por chuvas de consoada... Sua mãe não se conteve. Júlio não gostava daquelas árvores esguias nem do seu cheiro, ele sabia que ao seu aproximar sua mãe choraria. Desta feita ao segundo cipreste o pranto de sua mãe era enorme. Não era comum. É uma data especial!- pensara. Mas não se recordava ao certo. Quase simultaneamente sua mão desprendera-se de sua mãe dando lugar ao estancar da marcha e a um forte abraço entre os dois. Porque choras? Não gosto de ti assim! – disse Júlio. Sua mãe sorriu, ainda que envolta em lágrimas. Volvidos à marcha, só pararam novamente em frente ao imaculado mármore que continha uma foto em tons sépia de alguérm que o rapaz não conhecera e umas quantas palavras em seu nome. Sua mãe tirara-lhe já o pequeno gorro de lã preto. – Vai olhar pela bicicleta! - disse seu pai friamente. – Põe o gorro à saída! – retorquiu a mãe. Júlio não tinha por hábito questionar ordens, mas ultimamente sentia-se imbuído de um espírito que era misto de curiosidade e descoberta. Chegado ao portão preto de ferro, ligeiramente oxidado, reparou de rompante na incrição em cantaria da coluna direita da entrada do cemitério. “DESCOBRI-VOS!” À memória ocorreram-lhe logo os verbos, seus tempos e algumas conjugações, que aprendera até esta última Primavera. A neblina deu lugar à ténue mas pranzenteira luz de meia estação. O imperativo era óbvio, tal como o verbo descobrir, pensara instataneamente. Vós, era a segunda pessoa do plural, aí lembrou-se do truque que ao plural equivale sempre um singular. “Descobrir-tu!” Havia algo a descobrir, mas o quê? Instintivamente procurou pistas. Havia uma data. Era demasiado óbvio. Talvez...descobrir a mim?- pensou. Isto não fazia sentido na sua cabeça. Ele não estava perdido e o caminho era curto, portanto a certeza era só mais um passo! Não hesitou, voltou a entrar, agora com o pequeno gorro de lã preto na cabeça e partiu em busca de seu nome ou sua foto. Os pardais praticavam já o matinal bailado, com seu gracioso esvoaçar. A enseada mudara-se agora para o céu. E Júlio procurava. Encontrou médicos filantropos, cuja população os méritos agradecia; reparou em grandes maestros de carreira; viu abastados empresaários em magníficos mausoléus, outros homenageados como beneméritos em causas sociais; encontrou também bravos militares que sua pátria muito honraram e por ela pereceram; viu também sepulcros em que a campa não existia, a homenagem era feita pela cor argilosa da terra que se confundia com ressequidas pétalas, mas de colorido garrido. Ele não estava perdido, o caminho era agora ainda mais curto, tal fazia da certeza só mais um passo. Essa era sua convicção e avançou determinado. A verdade é que a busca fôra infrutífera, não se encontrara. Sentia-se enganado. A enseada celestial dera lugar ao cinzento cerrado dos enormes e agourentos farrapos de algodão sujo. – Vai chover! - pensou para consigo mesmo. O melhor seria ajeitar o pequeno gorro de lã preto e voltar para junto de seus pais. Foi o que fez sem hesitar. Ele estava perdido, o caminho fora longo e a incerteza invadira-o a cada passo!...
*
(caro leitor, como de resto é notório, o conto encontra-se imcompleto, a intenção é que o caríssimo/a encontre um final e uma moral para ele; pode fazê-lo através de pequenas menções, escrever o próprio final, filosofar, divagar, etc...não se impõe qualquer critério; de resto, dentro em breve publicarei o meu final que já se encontra escrito, mas que não publico já pois poderia influenciara sua/vossa escrita.)
*
Atenciosamente sem medo

sexta-feira, agosto 26, 2005

Por ouvir falar em incêndios florestais...(ANIF:mais uma)

Aqui temos base de comparação, façam as vossas apostas para 2005!
(clique na imagem)
*
O Conselho de Ministros presidido pelo Primeiro-Ministro o Srº Engº José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa cria desta feita a Autoridade Nacional para os Incêndios Florestais (esta autoridade muito sinteticamente visa ser o supremo “manda-chuva” em ocorrências de incêndios florestais) que funcionará em permanência de 1 de Maio a 31 de Outubro de 2005 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 88-A/2005, de 11 de Maio) e cujo director nacional é o gouveense António Ferreira do Amaral, de 61 anos, Tenente-General do Exército. No final da sua vigência, a ANIF está incumbida da realização de um relatório sobre as falhas e virtudes do sistema de combate aos incêndios implantado pelo Governo. O documento servirá posteriormente para a reformulação das Leis de Bases e Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil.
*
Para começar, porquê um militar? mais uma vez digo que ninguém sabe o que há-de fazer a esta classe, eles comandam forças de segurança, eles comandam protecção civil, ganharam tanto poder e visibilidade com o 25 de abril que agora teimam em atacar a vida civil, atenção, não tenho nada contra o exército (apenas uma larga reforma...bem...isso é outra história...) mas “cada macaco no seu galho”.
*
Em Portugal quando nada se sabe fazer e o pânico se instaura, criam-se as Autoridades – umas altas, outras somente autoridades - que nada mais são que entidades públicas com pouca autonomia e intervenção - mercê do seu enquadramento jurídico - que se dedicam a fazer estudos, mandar bitaques e em que os órgãos são ocupados ao sabor do amiguismo político e que em última instância evitam a demissão de ministro A ou B, optando o Governo geralmente por transferir responsabilidades para estas, acabando por demitir as pessoas que ocupam lugares nestes organismos públicos conseguindo assim a salvação do executivo da má imagem e incompetência perante a opinião pública e alguma comunicação social. Mas não se preocupe o/a caro/a leitor/a pois estes “tachistas” prestaram com grande brio o seu serviço às máquinas partidárias com as quais se identificam e não obstante terem a sua imagem política denegrida existe decerto um cargo num qualquer instituto ou fundação pública de pouca visibilidade à sua espera (penso que não seja este o caso, pelo menos considerando o perfil da pessoa que preside à entidade).
*
Contudo e mais uma vez, numa altura em que o Estado e a sua máquina burocrática bloqueante precisam de agilidade, cria-se mais uma entidade pública para “chupar” os nossos dinheiros; estou convicto que este organismo vai ser mais um peso morto na árdua tarefa, eminentemente prática e pouco académica que é o combate a esse enorme flagelo económico, criminal, social e pouco natural que são os incêndios em terras lusas! A nossa administração é tão dispersa e confusa que o governo vê-se obrigado a criar este tipo de organismos, para que por sua vez, estes tentem reunir a informação que seria natural a Administração Central possuir numa base diária e actualizada!
*

Para que o caro leitor se possa enteirar, estes são alguns organismos públicos de prevenção, fiscalização, combate, estudo e investigação dos incêndios florestais em Portugal:

  • Agência para a Prevenção dos Incêndios Florestais (APIF);
  • Autoridade Nacional para os Incêndios Florestais (ANIF);
  • Brigadas Autárquicas de Voluntários (BAV);
  • Centros de Prevenção e Detecção de Incêndios Florestais (CPD);
  • Centros Distritais de Operação e Socorro (CDOS);
  • Centro de Formação Especializada de Incêndios Florestais (CFEIF);
  • Centro Nacional de Operações e Socorro (CNOS);
  • Conselho Nacional de Reflorestação;
  • Comissões Regionais de Reflorestação;
  • Comissões Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios (CMDFCI);
  • Comando Operacional Conjunto do Estado-Maior-General das Forças Armadas (COC/EMGFA);
  • Corpo Nacional da Guarda Florestal (CNPF);
  • Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF);
  • Direcção-Geral Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (DGOTU);
  • Governos Civis;
  • Gabinetes Técnicos Florestais (GTF);
  • Guarda Nacional Republicana (GNR);
  • Instituto da Conservação da Natureza (ICN);
  • Instituto de Meteorologia;
  • Ministério da Administração Interna (MAI);
  • Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas (MADRP);
  • Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR);
  • Polícia Judiciária (PJ);
  • Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC);

Agora imagine-se a quantidade de recursos humanos, o conflito de competências e atribuições e a enorme burocracia existente a gerir tudo isto. Não sei o que o leitor pensa, mas estando eu em Portugal agouro IMPOSSÍVEL coordenar eficazmente todos estes organismos (até já estou a imaginar a quantidade de “ chefes” a querer mandar...).

*

Decerto não terei as capacidades do Srº General e das pessoas que o coadjuvam na ANIF, mas vou ter a displiciência e ousadia de tomar virtualmente o órgão que actualmente este ocupa e fazer as minhas declarações (mais que óbvias) para a comunicação social, hipoteticamente a convite de um qualquer jornal diário de grande tiragem:

*

(com ar sisudo e postura entro na sala e sento-me...)

- coff...coff...

*

- Boa tarde srªs e srs.

*

- Este ano foi ímpar nesse flagelo que são os incêndios florestais, mas não há razão para alarmismos! É certo que o trabalho desenvolvido ao longo destes meses foi árduo e severo, mas também frutífero (ahaha), através dele conseguimos retirar inúmeras ilações (que todos nós sabemos): a articulação dos organismos é ineficaz, a imensa burocracia retira agilidade aos bombeiros, a articulação dos organismos é inexistente, os meios são escassos, a articulação dos organismos é desarticulada, a formação dos profissionais de combate ao incêndio é desadequada, a articulação dos organismos é contraproducente e por último, a articulação dos organismos é uma palhaçada (ok, palhaçada não diria...é muito suave...fica um adjectivo ao vosso critério);

*

- Com a nossa investigação, o desenrolar da situação e o controlo das operações no terreno, gostaria então de enumerar algumas medidas a tomar de futuro, que constam no relatório elaborado pelo organismo que represento e que ora passo a apresentar (e agora vem a parte que qualquer cidadão mais atento por esta altura também saberá):

  • Promover acções de silvicultura preventiva e de melhoria de infra-estruturas;
  • Melhor vigilância aérea;
  • Criar infra-estruturas de apoio a meios aéreos de combate;
  • Sensibilizar a população escolar e a população em geral;
  • Profissionalizar em definitivo o Serviço Nacional de Bombeiros e criar uma divisão de Sapadores Florestais;
  • Formar especialistas em "fogo controlado" e contra-fogo;
  • Campanhas de sensibilização para os incêndios;
  • Criar uma política de vigilância consistente;
  • Apostar na silvicultura preventiva obrigatória e no associativismo florestal;
  • Elaborar um cadastro predial;
  • Obrigar os proprietários florestais a gerirem as suas parcelas;
  • Condicionar o acesso, a permanência e a circulação em zonas florestais críticas, sempre que se justifique;
  • Reforçar do contributo das Forças Armadas;
  • Melhorar as comunicações e a área de cobertura das mesmas;
  • Aumentar em razão de número dos postos de vigias;
  • Adquirir de mais helicópteros-bombardeiros;
  • Formar brigadas helitransportadas;
  • Adquirir aerotanques anfíbios;
  • Adquirir buldozers e meios de transportes para a rápida intervenção dos mesmos, tal como alfaias que limpem o terreno de forma a criar corta-fogos junto às povoações;
  • Apostar conscientemente no reflorestamento controlado e planeado;
  • Agravar fortemente as medidas coactivas e coercivas no combate ao crime;
  • Construir pequenas barragens e/ou represas em zonas críticas;
  • Concentrar em definitivo num só organismo as atribuições e competências do combate a este flagelo e num só plano a coordenação do planeamento, prevenção, combate e rescaldo;

(e agora eu na pele do jornalista...)

- Não lhe parece que o governo deveria já estar a par dessas necessidades preementes?

*

(de volta ao General...)

- coff coff...

*

- Bem...cuidado com os churrascos e as beatas mal apagadas! Muito obrigado e boa tarde!

terça-feira, agosto 23, 2005

Por ouvir falar em incêndios florestais....

Imagem retirada de:
*
Ouço dizer com alguma regularidade determinada comunicação social que Portugal está a arder! Por outro lado em conversas informais comenta o cidadão comum: “O que falta ainda arder?” ou “Não ardeu já todo o país?”.
*
Apesar de o nosso território ser de dimensões reduzidas, existe muita área florestal que ainda não ardeu e que eu ousaria dizer que não irá arder. A verdade é que todos os anos as áreas afectadas raramente mudam, do meu prisma penso que tal como eu, o atento cidadão retirará daqui algumas ilações...
*
Primeiro gostaria de dar um exemplo concreto de uma área florestal de média dimensão que bem conheço no Alentejo Central; esta serra é um vasto eucaliptal quase na sua totalidade (uma espécie considerada altamente combustível), este tipo de monocultura florestal e as características da árvore em questão têm sido nefastas para o terreno (principalmente numa região em que os recursos hídricos escasseiam), quase todas as fontes e charcos secaram (não sei se irreversivelmente), o solo tornou-se arenoso, sendo que as características e qualidades do mesmo se degradaram pois é notória a falta de nutrientes e húmus, na verdade até a vegetação rasteira característica de solos pobres tem dificuldade em singrar naquele local, por seu turno para quem já visitou o local sabe que apresenta um microclima específico que é caracterizado por apresentar uma temperatura ainda mais elevada que o normal (atingindo com facilidade temperaturas acima de 40ºC) e uma menor humidade relativa;

*

Apesar de nem sempre ter sido assim, a limpeza do terreno tem sido descurada, os corta-fogos anteriormente amplos, lavrados e limpos de entulho, apresentam agora visível abandono do seu cuidado; não posso determinar quantos vigias há de momento, mas são decerto menos que há uma década atrás, tal como as pessoas que por aqueles locais habitavam; digam-me lá, se isto não é um barril de pólvora então o que é? A diferença crucial é que esta área não arde tão somente porque a empresa que arrenda e explora tantos hectares, tem amplas vantagens económicas em explorar e retirar anualmente largas toneladas de madeira para a indústria da celulose, pelo que se previne, apesar de ultimamente de forma mais precária continua a ter os seus meios próprios e autónomos, incluindo aéreos, de resto é uma empresa bem cotada na bolsa e como tal não está interessada em polémicas mediáticas sobre a gestão dos seus recursos.

*

Por outro lado, penso que o grau de insanidade mental elevada de parte da população portuguesa ainda não atingiu severamente o povo alentejano, que, quer pela sua tradicional pacatez ou quiçá por apresentar uma elevada taxa de suicídios – segundo a ciência psicológica ter tendências suicidas é sinónimo de equilíbrio mental – não desata a inventar novos meios de ignição, tal situação leva-me a acreditar que teremos também que travar um fenómeno social de falta de civismo e a onda de mente-captos que arruina a nossa cotação internacional de povo civilizado e de agradável e natural destino turístico.

*

Em boa verdade vos digo, que Portugal arde por excelência através de mão criminosa, seja por pessoas com patologias do foro psicológico, seja por bombeiros desempregados ou frustrados, seja por empresas que pretendem adquirir madeira a baixos preços, seja por proprietários que anseiam por accionar seguros, seja por empresas de aluguer de aeronaves, sejam autarquias ou empresas de construção civil que pretendem desbloquear terreno e burocracia para a construção, seja pela concorrência da indústria de celulose....

*

Congratulo-me no entanto, com o facto de possuirmos neste momento os melhores técnicos incendiários da Europa, com a melhor formação técnica e teórica, com larga experiência no terreno, altamente motivados, com pós-graduações em assuntos jurídicos e judiciais, mestrados em subornos e tráfico de influências, doutoramentos em confundir os serviços que actuam e previnem e cátedra em condições meteorológicas e geográficas desfavoráveis ao rápido e eficaz combate ao incêndio.

*

Um bem-haja a vós que lêdes estas palavras.

sexta-feira, agosto 19, 2005

Camping Alentejano....

- Tal como eu, estou certo que muitos turistas que por terras lusas viajam, amam a natureza e optam por uma forma mais despreocupada de estar na vida e por conseguinte de viajar e conhecer (o que a meu ver é bastante saudável e permite mais mobilidade e um maior contacto com as gentes e os costumes) sendo certo que muitos por opção, outros por condicionantes económicas. Não cabe aqui no entanto qualificar ou determinar o género de fluxo turístico que nos visita, gostaria antes de exprimir a minha opinião sobre algo que a meu ver (e penso não estar só) merece no mínimo o reparo e atenção da opinião pública sobre assuntos em que mais uma vez o poder político (neste caso referente a uma autarquia local), agentes e órgãos tanto decisórios como executivos adoptam posturas de incúria e desleixo face a investimentos públicos que deveriam ser - em ordem carga fiscal directa e indirecta que ao cidadão é imposta - uma mais valia e um potencial de crescimento e desenvolvimento económico e cultural para todos nós.
*
- Como Português que sou e sem desprimor para os meus conterrâneos sinto-me infelizmente familiarizado com insólitas e desagradáveis situações com as quais por força do hábito já nos passam ao lado, não obstante encarar a classe política e mormente a nível local como a expressão máxima do Estado de Direito Democrático e da secular soberania popular, há no entanto actos e decisões com as quais não me identifico, que não me representam e de forma veemente repudio.

*
- Estremoz é uma cidade com alguma oferta turística, oferece uma panóplia de bons atractivos, tanto culturais como em termos de património, passando pelo agro-turismo e gastronomia, conta para isso com alguns hotéis, hospedarias e albergarias das mais variadas comodidades (do mais luxuoso ao mais simples). Surge então a iniciativa por parte do executivo camarário de preencher uma lacuna na oferta turística do concelho, ou seja, a construção de um parque de campismo que iria por conseguinte reabilitar um já degradado espaço verde, que tem contudo a vantagem de oferecer uma vista bastante interessante sobre a cidade e para além disso apresenta, a meu ver, uma localização a condizer. Até aqui tudo bem, excepto quando volvidos mais de cinco anos sobre todo o processo de apresentação da proposta, votação na Assembleia Municipal, candidaturas a fundos comunitários, adjudicação da obra e adjudicação da concessão, o que nos deparamos quando chegamos ao local é tão somente o respectivo equipamento de apoio à prática de campismo construído de raiz em estado de semi-abandono, este é constituído por um edifício térreo em L, em que se nota que até apresenta boas indicações, com casas-de-banho, lava-loiça e tanques de roupa, tal como um átrio e respectiva recepção bem como outros espaços que possivelmente serão para um café e/ou para serviços administrativos; nada mal, isto se o edifício em questão não estivesse encerrado desde que foi construído (repito: há cinco anos) com as consequências que daí advêm, ou seja, as portas apesar de não se encontrarem arrombadas apresentam evidentes sinais de vandalismo, tal como uma ou outra parede, lava-loiça bem como a iluminação (já inexistente, se é que alguma vez existiu); para além disto e como se não bastasse, na área envolvente mais próxima ao edifício podemos encontrar, não um espaço em condições para a prática de campismo, mas antes “vegetação autóctone” ou melhor um descampado de pasto, lixo e entulho, este último outrora proveniente de todos quantos ali quisessem depositar, correntemente apenas resíduos provenientes do já velhinho e pouco aprazível espaço verde que o projecto do inexistente parque de campismo visava abranger, recuperar e valorizar;

*

- Mas mais gritante é ainda a situação que me levou a tomar posição sobre estes tristes factos, há cerca de um mês ao caminhar por uma rua bem no centro da cidade eis que sou confrontado (para meu espanto e indignação) com uma placa de direcção que me informa o caminho a seguir para o tal parque de campismo, placas essas colocadas ex novo dias antes aquando da efeméride das comemorações do dia das Forças Armadas, às quais se deslocou Sua Ex.ª o Sr. Presidente da República. Este deboche das placas felizmente não durou muito tempo e espero por conseguinte que não tenha enganado ninguém, talvez por eu ter sido interceptado por alguém de direito a tirar fotos ou de situação previamente planeada, o que é certo é que 3 dias depois, do raio da placa (essa e outras que sinalizavam centros culturais e museus ainda e já inexistentes) só havia vestígio do sítio; continua no entanto o ridículo do dinheiro mal gasto que a ninguém beneficia...

*

- Posto isto só me apraz dizer que me congratulo com o facto de os nossos políticos pensarem e decidirem com vista no longo prazo; falando sério, tenho plena consciência que não será a enganar quem nos visita (e por conseguinte a cair no ridículo) que Portugal, a Região de Turismo de Évora e mais concretamente o Concelho de Estremoz poderá ganhar prestígio enquanto destino turístico de eminente qualidade, penso que este tipo de situações que pese embora não me afectem directamente cumpre denunciar pois serão sempre um desprestígio tanto para quem neste processo interveio como para quem por ele pouco ou nada faz.
  1. Sem mais me despeço, cordiais saudações.

Reformar, um verbo de pouca acção!

Mouzinho Da Silveira (1780-1849): um exemplo entre poucos, daqueles que tiveram a coragem de reformar a administração em Portugal;
*
Reformar: dar nova forma; melhorar; corrigir; reconstruir; prover do que se gastou ou se perdeu; aposentar.
*
No nosso ocidental pedaço de terra ouvimos não raras vezes tal palavra proferida pelos nossos políticos, a verdade é que esta e tantas outras (prevenção, justiça, desenvolvimento...) não passam de conceitos puramente académicos usados como trunfos de propaganda partidária!
*

Triste sina.....

*

Sou da opinião que vivemos actualmente um ambiente político em que quando procede mal, quer por erro desculpável ou culposo, o político sairá sempre impune ao contrário dos bens e do erário público, estes sucessivamente delapidados em favor de interesses económicos e partidários; apraz-me dizer que não concordo e repúdio veemente qualquer radicalismo, não tenho fé em extremos mas sim em soluções socialmente aceitáveis, economicamente viáveis e politicamente equilibradas; meus caros/as, volvidos 900 anos de história de Portugal e muitos outros de história universal, é no mínimo incoerente virar-lhe costas e adoptar posições totalitárias qualquer que seja o quadrante político (de resto sabemos o que é que os extremos proporcionam, do religioso, passando pelo político e económico – a morte e a intolerância é lugar comum), penso que não devemos viver agrilhoados ao passado mas são ilimitados os conhecimentos que dele podemos extrair; falar em revolução ainda me parece mais absurdo, pois não há tarefa mais árdua que criar um sistema político ex novo, tal traz consigo transtornos sociais e económicos devastadores e quiçá insustentáveis, requalificação ou reformas serão as palavras-chave;
*

Estou em crer que esta situação de hipertrofia do Estado – que para mim é um problema fulcral – e que os politólogos designam por tecnocracia (governo dos burocratas, i.é., quando ao poder político enfraquecido se sobrepõe o poder dos funcionários) é factor determinante na falta de agilidade de que o Estado e o Governo actualmente enfermam e que gera um desperdício de potencial, tanto monetário como de recursos humanos, não tenho a menor dúvida de quando as leis, regras e procedimentos se tornam excessivas, somente quem está por dentro do sistema o consegue fazer andar ou ao invés bloquear, ainda para mais quando se ocupam lugares sem a devida formação e competência técnica; não quero de modo nenhum dizer com isto que a culpa recai sobre os funcionários, recai antes sobre os altos cargos da administração, sobre as máquinas partidárias e sobre quem idealizou e de quem não soube adaptar às recentes realidades (quer tecnológicas, económicas ou sociais) o nosso sistema administrativo e toda a orgânica estadual.

*

Sou defensor de uma economia de mercado, em que o papel do Estado seja somente prover dentro das necessidades colectivas aquilo que em economia livre e aberta os privados não têm interesse em investir, sejam externalidades (positivas ou negativas) tal como bens e actividade cultural, por outro lado o Estado deve-se munir dos instrumentos necessários para regular frágeis sectores da economia que envolvam monopólios ou oligopólios, bem como a actividade da banca e da bolsa, neste aspecto principalmente a concentração de empresas. Acredito que os preços devem ser sempre fixados pela oferta e pela procura e neste esquema bipolar a função do estado é manter esse equilíbrio e acabar com os abusos sempre que os haja, mas nunca em tempo algum deve substituir-se aos agentes económicos ou controlar qualquer aspecto do “jogo” pois isso poderá levar ou à fixação anormal de baixos preços (onde quem paga a diferença é o contribuinte) ou à sua inflação, em suma não acredito, no contexto actual, em economia planificada.

*

Não arrogo ter nem o conhecimento nem as soluções adequadas para resolver a nossa conjectura político-económica, vou limitar-me a aventar umas quantas ideias para reformar e relançar na medida do plausível este país que apesar de tudo muito prezo.

*

É do conhecimento de todos a tripartição do Estado, dentro desta retiramos várias funções, a saber: 1.poder executivo – 1.1.função política (livre e primária) – 1.2.função administrativa (condicionada e secundária); 2.poder legislativo e 3.poder jurisdicional; pois bem, as minhas ideias vão cingir-se a esta linha de raciocínio.

*

1.1 - Criar uma estrutura coerente de entidades reguladoras, acabando com todas essas esquisitas Altas Autoridades que de capacidade interventiva têm muito pouco sendo por vezes mais um “job” de “boys” que outra coisa; introduzir-lhe um regime jurídico de acordo com o seu papel na economia que as habilitasse e capacitasse para emanar regulamentos e lhe concedesse a possibilidade de levantar providências cautelares sempre que necessário; - Arrancar em definitivo com a requalificação do grande empreendimento que seria esse grande porto natural existente em Sines, dotá-lo de características (linha ferroviária e vias de comunicação rodoviárias internacionais, tal como armazéns frigoríficos…) com as quais pudesse competir com outros grandes como Barcelona e até porque não Roterdão e outros que tal; -Apostar forte e prioritariamente na independência energética nacional, em centrais nucleares e possivelmente em energias renováveis; - Fomentar a participação política activa da juventude desde tenra idade através do ensino de disciplinas eminentemente cívicas; - Instituir nos estatutos partidários a lógica “um partido, várias opiniões” não fazendo o saneamento político sempre que se suscitam divergências, pois isso é deveras uma lição antidemocrática; - Limitar a ocupação de órgão e cargos públicos aos cidadãos sempre que estes tenham praticado crimes de índole económica ou situações análogas que ponham em causa ou tornem incompatível com o envolvimento em funções nas quais se disponha dos bens públicos; - Atribuir às autarquias locais mais competências em matéria de receitas próprias e poder regulamentar expandindo as suas competências e atribuições, tal como aumentar o seu orçamento como forma de nos aproximar aos níveis da UE nesta matéria;

*

1.2 - Instituir de uma vez por todas as regiões administrativas, tal como previsto na Constituição, dispensando em revisão extraordinária ou ordinária a figura do referendo, pois tenho noção que a população não está capacitada para decidir uma questão tão complexa; por outro lado as Áreas Metropolitanas (Lisboa, Porto e Algarve) são precisamente a prova dessa necessidade premente; o poder deve estar perto do eleitorado de forma a ser controlado e fiscalizado e a escutar a voz do mesmo; - Aglutinar e criar uma só força de segurança pública, minimizando os desperdícios de recursos que duas forças (GNR e PSP) geram; - Reestruturar as Forças Armadas, concentrando-as, profissionalizando-as e limitando o seu efectivo ao essencial para o patrulhamento do nosso território e fazer cumprir as nossas obrigações junto da NATO; - Criar uma Inspecção-Geral do Estado, que congregasse todas as outras no seu seio de forma a haver elo entre si, concedendo a estes inspectores amplos poderes ( que nalguns casos já acontece) e claro está uma remuneração adequada às características do seu serviço, de modo a combater a corrupção e o suborno; distribuir delegações na proporção de uma por região; - Extinguir o obsoleto, estritamente “tachista” e de lançamento político que é o órgão Governador Civil, tal como irreversivelmente as sua atribuições e competências; - Extinguir as circunscrições administrativas distritais, tais como quaisquer outras (pescas, florestas, agricultura e até as do poder jurisdicional) e simplificar todo o imbróglio de órgãos e serviços adaptando-os à lógica e à divisão que seria a realidade regional; - Extinguir em grande número os mais de 800 Institutos Públicos que a meu ver disparatadamente compõem uma parte da administração indirecta do estado; - Extinguir a categoria de Secretário e Subsecretário de Estado, pois têm somente competências delegadas e protocolares, em minha opinião é mais um cargo de lançamento político (e isso faz-se dentro dos partidos); limitar o número de pessoas que compõem os gabinetes ministeriais; - Fundir e por conseguinte extinguir muitas das ineficazes Direcções-gerais que compõem a administração central do estado, adaptando por conseguinte as suas Direcções-Regionais à realidade e lógica das Regiões Administrativas; -Criar um coerente sistema de avaliação e corrente reciclagem numa lógica de mérito dos órgãos e agentes administrativos; estabelecer termo nos contratos com opções de preferência; - Proceder à gestão, tanto de estabelecimentos públicos (Universidades e escolas em geral, hospitais, etc…) como das fundações públicas (extinguindo umas quantas e alterando o seu regime jurídico) numa lógica empresarial (criando administrações mistas com gestores e profissionais da área) nunca esquecendo as atribuições e lógica de prestação de serviço público que têm essas estruturas tal como a saudável gestão dos recursos;

*

2. - Reduzir o número de deputados à Assembleia de República para o mínimo previsto no artº148 CRP -180 deputados; - Transformar o nosso sistema eleitoral num sistema a duas voltas, concorrendo primeiro todos os partidos, na segunda volta apenas os dois mais votados, traçando assim um sistema de bipartidarismo; por outro lado as Assembleias Regionais manteriam um sistema multipartidário;

*

3. - Alargar as competências do Tribunal de Contas a todo o sector empresarial do estado e fazer vincular as suas decisões e dando origem o processos contenciosos sempre que seja o caso; - Aumentar em razão de número e distribuição nacional dos julgados de paz e informatizar de uma vez por todas a justiça, tal como abrir vagas no CEJ para a formação de novos Magistrados e levar por diante o projecto da “Cidade da Justiça” de forma a dar resposta em termos de condições e centralização aos tribunais superiores entre outros;

*

Muito mais havia a propor, nomeadamente em soluções económicas, mas a palestra já vai longa e ao povo esgota-se a paciência, talvez numa próxima oportunidade!

*

Abraço ao paciente leitor