terça-feira, setembro 27, 2005

A triste sina dos combustíveis.

Foto da refinaria de Sines
Quando me dirijo a um posto de abastecimento da Galp o que acontece na prática é que pago: o petróleo, o Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISPP), o IVA, a inflação, lucro “anormal oligopolista” da Galp e o lucro do concessionário, ora sendo assim estou a pagar dois impostos directos (IVA;ISPP) e dois impostos indirectos (lucro “anormal oligopolista” da Galp; inflação), vamos lá a ver então se nos entendemos, é que eu não estou para pagar o enriquecimento da Galp e seus accionistas (incluíndo o Estado) à custa de sacrifícios de todos nós. De notar que no primeiro trimestre de 2005 esta empresa quintuplicou os seus lucros e atenção que estamos em período de recessão... A Galp é em parte uma empresa para a qual todos os portugueses pagaram impostos para serem justamente servidos, portanto não temos que pagar os lucros extraordinários de um mercado em que o Estado faz parte ele próprio de um cartel que visa unicamente, numa lógica de ineficiência económica, lesar os interesses da procura, que perante este bem não tem justas alternativas. Não basta já o despotismo económico praticado por esses srs. do grande cartel que é a OPEP.
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Para aqueles que tal como eu aspiravam à liberalização do sector dos combustíveis e observavam nisso uma mais valia económica de justiça a todos os níveis, principalmente no preço final pago pelo consumidor, é notório o quão nefasta essa medida se tornou. Contudo mantenho a minha firme convicção, penso que sempre que possível e independentemente do sector nunca devem os preços ser estabelecidos administrativamente, mas sim pela lei da oferta e da procura até se encontrar um preço de equilíbrio que a todos eficientemente satisfaça. Pois bem, não digo isto de ânimo leve ou por romântismo idílico; primeiro, não sou obrigado a pagar a má administração de empresas públicas, os seus prejuízos e seus baixos níveis de eficiência no mercado; em segundo, tenho plena consciência que estamos perante um sector que actua eminentemente em regime de oligopólio (quando existe um número restrito de empresas que controla a maior parte do mercado de determinado bem), que controla verticalmente a produção e horizontalmente a distribuição, que apresenta do lado da oferta uma relação quantidade-preço muito elástica (ou seja, a mesma quantidade a qualquer nível de preço vender-se-à sempre) e do lado da procura o inverso, i.e., inelasticidade (tenderá a diminuir pouco o consumo, mesmo com a subida de preços), por outro lado não se nota por sua vez neste bem o efeito de rendimento (com a diminuição dos recursos financeiros as mesmas quantidades vão ser procuradas), nem tão pouco o efeito de substituição (procura de um bem substituto a este recurso) e a eventual procura por um sucedâneo. Neste contexto económico é decerto apelativo porque fácil ou vice-versa, falsear a concorrência ou recorrer a práticas restritivas da mesma, como o abuso de posição dominante ou abuso de dependência económica.
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Deixando então os argumentos económicos passemos aos jurídicos. Muito embora estejamos ainda com algumas lacunas em sede de dto. da concorrência, a verdade é que a legislação comunitária já nos deu o “impulso legiferante” que tanto precisávamos, sendo certo porém que há um longo caminho a percorrer. Entre os diplomas legais mais importantes destacaria a Lei 10/2003 que cria a Autoridade da Concorrência(AC), a Lei 18/2003 que aprova o regime da concorrência e o modo de actuar da AC, os artigos 81.º e 82.º do Tratado CE e o Regulamento (CE) n.º1/2003 relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.º e 82.º do Tratado. É à AC que vou dedicar mais atenção, pois não obstante acreditar no liberalismo económico que se vive, sei porém que o mercado por si só cria desigualdades que não consegue de per si suprir, pois é nesses casos que propugno a intervenção do Estado enquanto entidade reguladora (indirecta) e fomentadora de novo equilíbrio que a todos satisfaça; imaginemos um árbitro numa partida de futebol (não de futebol português, claro!), este terá que ser observador, diligente e interventivo no estritamente necessário, umas vezes chamando a atenção, outras vezes sancionando as atitudes incorrectas, outras ainda beneficiando o prejudicado (por imperativo do caso em apreço, o consumidor). Por outro lado deve fazê-lo discretamente de forma indirecta através de enquadramento legal e de organismos autónomos com poder sancionatório (caso da AC). Bem sei que a legislação é escassa e com lacunas e que por vezes é difícil provar as práticas de cartel, fáceis de camuflar, mas bolas, ao menos uma explicação pública do fenómeno só para mostrar que Governo e AC estão ambos atentos à situação e prontos a intervir caso seja imperativo. Por tudo isto urge encontrar uma solução, que, a meu ver, passa pela melhor regulamentação e enquadramento legal, tal como uma actuação mais eficaz e articulada das entidades competentes, já temos a base, vamos trabalhar!
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Para quem há pouco tempo me dizia: “...mas o Governo já nada pode fazer, pois já não controla o sector”; ao que eu respondi: “o Fernando Gomes foi nomeado para quê? e o Armando Vara?”. Ao que parece a Galp Energia que detém a maior cota do nosso mercado petrolífero, é uma holding controlada pelo Estado Português - 29,26%, ENI- 33,34%, REN- 18,3%, EDP - 14,27%, Iberdrola - 4%, Parpública - 0,75%, Portgás - 0,04% e Setgás - 0,04%, o que perfaz um total de 47.56% em conjunto com a REN que também é controlada pelo Estado (e já excluindo a EDP!), portanto temos que, o Estado controla de forma indirecta os preços dos combustíveis. Bem sei que é complicado “mexer” em empresas deste género principalmente quando cotadas em bolsa, mas a verdade é que se a Galp baixasse os seus preços, por “arrasto” todas as outras gasolineiras (principalmente a gigante Repsol) o fariam. Por outro lado seria impensável ver o Governo ameaçar as petrolíferas com um possível imposto ao lucro como medida equilibradora do mercado, pois na prática teríamos o Estado a penalizar o seu sector empresarial o que equivalia a “cortar os seus próprios pés”, ainda noutro prisma também não imagino a vergonha de a AC multar o Estado; apesar de esta entidade ser tutelada pelo Governo e seus órgãos nomeados em Conselho de Ministros, não duvido da idoneidade e competência das pessoas em questão.
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Neste contexto agouro que muitos postos de combustível em Portugal junto à fronteira vão encerrar, talvez aí a Galp se lembre que terá que recuar na sua política unilateral de fixação de preços, já que pelos vistos não podemos contar com a Autoridade da Concorrência para pôr ordem no mercado, seja por inoperância ou falta de meios legais, seja por momentânea pressão governamental.
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Mas de uma coisa estou eu certo, podemos continuar a pedir responsabilidades ao Governo nesta questão, pois este método jurídico-burocrático de encher os bolsos e sair de cara lavada perante a opinião pública, pelo menos para mim não cola!
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Abraço ao leitor e peço desculpa pelo interregno forçado por imperativos académicos;

sábado, setembro 03, 2005

"DESCOBRI-VOS!" (completo)

Ele não estava perdido, o caminho era curto...a certeza era só mais um passo!... Numa manhã de intensa neblina matinal em que o orvalho das forragens trás à memória a ténue imagem da espuma do mar de uma qualquer enseada, vai Júlio de mão dada com sua mãe à beira da estrada. Enquanto lhe afaga a cabeça, diz-lhe para enfiar na mesma o seu pequeno gorro de lã preta. A viagem decorria sem sobressalto, ao ritmo do trautear monocórdico da voz masculina de seu pai e do ranger sistemático do aro já empenado no guarda lamas da velha pasteleira. O trautear cessou. O semblante de ambos os progenitores ficou num ápice carregado. Um tom soturno instalara-se. Júlio já não era um miúdo - pelo menos julgava-se assim -, tinha a certeza que era só mais um passo e as lágrimas brotariam que nem riachos cristalinos alimentados por chuvas de consoada.. Sua mãe não se conteve. Júlio não gostava daquelas árvores esguias nem do seu cheiro, ele sabia que ao seu aproximar sua mãe choraria. Desta feita ao segundo cipreste o pranto de sua mãe era enorme. Não era comum. “É uma data especial!” -pensara. Mas não se recordava ao certo. Quase simultaneamente sua mão desprendera-se de sua mãe dando lugar ao estancar da marcha e a um forte abraço entre os dois. “Porque choras? Não gosto de ti assim!” –disse Júlio. Sua mãe sorriu, ainda que envolta em lágrimas. Volvidos à marcha, só pararam novamente em frente ao imaculado mármore que continha uma foto em tons sépia de alguérm que o rapaz não conhecera e umas quantas palavras em seu nome. Sua mãe tirara-lhe já o pequeno gorro de lã preto. “Vai olhar pela bicicleta!” -disse seu pai friamente. “Põe o gorro à saída!” –retorquiu a mãe. Júlio não tinha por hábito questionar ordens, mas ultimamente sentia-se imbuído de um espírito que era misto de curiosidade e descoberta. Chegado ao portão preto de ferro, ligeiramente oxidado, reparou de rompante na incrição em cantaria da coluna direita da entrada do cemitério. “DESCOBRI-VOS!” À memória ocorreram-lhe logo os verbos, seus tempos e algumas conjugações, que aprendera até esta última Primavera. A neblina deu lugar à ténue mas pranzenteira luz de meia estação. O imperativo era óbvio, tal como o verbo descobrir, pensara instataneamente. Vós era a segunda pessoa do plural, aí lembrou-se do truque que ao plural equivale sempre um singular. “Descobrir-tu!” Havia algo a descobrir, mas o quê? Instintivamente procurou pistas. Havia uma data. Era demasiado óbvio. “Talvez...descobrir a mim?” -pensou. Isto não fazia sentido na sua cabeça. Ele não estava perdido e o caminho era curto, portanto a certeza era só mais um passo! Não hesitou, voltou a entrar, agora com o pequeno gorro de lã preto na cabeça e partiu em busca de seu nome ou sua foto. Os pardais praticavam já o matinal bailado, com seu gracioso esvoaçar. A enseada mudara-se agora para o céu. E Júlio procurava. Encontrou médicos filantropos, cuja população os méritos agradecia; reparou em grandes maestros de carreira; viu abastados empresaários em magníficos mausoléus, outros homenageados como beneméritos em causas sociais; encontrou também bravos militares que sua pátria muito honraram e por ela pereceram; viu também sepulturas em que a campa não existia, a homenagem era feita pela cor argilosa da terra que se confundia com ressequidas pétalas, mas de colorido garrido. Ele não estava perdido, o caminho era agora ainda mais curto, tal fazia da certeza só mais um passo. Essa era sua convicção e avançou determinado. A verdade é que a busca fôra infrutífera, não se encontrara. Sentia-se enganado. A enseada celestial dera lugar ao cinzento cerrado dos enormes e agourentos farrapos de algodão sujo. “Vai chover!” -pensou para consigo mesmo. O melhor é ajeitar o pequeno gorro de lã preto e voltar para junto de seus pais – foi o que fez sem hesitar. Ele estava perdido, o caminho fora longo e a incerteza invadira-o a cada passo!...
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Ao tomar o caminho de regresso para junto de seus pais, Júlio reparou num senhor de meia idade, de cabelo e barba grisalha e já um pouco calvo, que sentado e enconstado a uma campa o fitava com um ligeiro sorriso. A curiosidade assaltou-o novamente e de rompante, como se de um impulso provocado por um inexplicável magnetismo se tratasse, dirigiu-se até aquele estranho personagem. Com toda a cortesia que lhe fora ensinada indagou:“Desculpe, costuma estar aqui muitas vezes?”; “Digamos que não tenho muitos sítios para onde ir Júlio!” -disse o enigmático senhor ; “Como é que sabe o meu nome?” –perguntou o rapaz. “Sei tudo sobre ti!” –replicou. “Sei que andas à procura de ti, mas no sítio errado”. “Ai sim? Então onde é que devia procurar?” –disse Júlio num tom arrogante. “Bem, não te deves procurar,nem entre os vivos, nem entre os mortos, pois questionar os vivos é o mesmo que guiar um rebanho de ovelhas: apesar serem todas diferentes tenderão a seguir a vontade somente de uma; por outro lado questionar os mortos é o mesmo que fazer perguntas a um livro: apesar de te poder ensinar bastante, jamais estabelecerás um diálogo com ele; portanto só questionando-te a ti próprio te encontrarás: imagina que colocas uma rolha de cortiça no nascente de um rio, primeiro irá atravessar uma etapa estreita e agitada, depois o rio irá alargando a pouco e pouco e as águas agitar-se-ão cada vez menos e por fim tomarás contacto com o mar e poderás constantar com clareza que os teus horizontes se tornarão tão ilimitados quanto a tua vista pode abarcar e quanto a rolha irá boiar. Só assim encontarás a tua essência”. “E o que é a minha essência?” –perguntou Júlio. “A tua essência são as escolhas acertadas que tomares em vida e que te farão feliz na morte”. “E quais são as opções?”; “As opções são ilimitadas, infelizmente não terás opotunidade de experienciar muitas...mas apesar de tudo serás exemplo para muitos...hoje aprendes-te a procurar os porquês, mesmo se te parecerem absurdos ou ingénuos, pois não há nada pior que ser-se adulto, estes agem sem espanto perante a vida, aceitam facilmente a monotonia, as regras e a opinião comum como o caminho certo, não alcançam o tempero da vida, o sal do mar: imagina a tristeza que seria ao saíres da escola e não teres contigo os caramelos que tanto gostas de saborear!” Posto isto, o senhor de cabelo grisalho agarrou na mão de Júlio e disse: “Faz com que estas palavras se tornem num ensinamento para que te visitará!” Júlio não percebera e não tivera tempo de perguntar pois ouviu a voz de sua mãe e deslocou o olhar no seu sentido. “Procurei-te por toda a parte, já te disse que não deves andar com o gorro enfiado na cabeça aqui dentro...e o que fazes junto da campa do teu avô falando sozinho?” -resmungou sua mãe. Quando Júlio virou novamente a face à procura do seu interlocutor, este desaparecera, mas mais chocante era o facto de a foto agora visível pela ausência do corpo do senhor de cabelo grisalho ser a imagem precisa do mesmo. Júlio absorto não foi capaz de articular uma só palavra. “Vamos embora! Já estás atrasado para a sessão de quimioterapia!” –disse sua mãe. Foi quando Júlio voltou a cair em si e se entristeceu, olhou para a sua mãe e disse: “Quero que estas sejam as palavras da minha campa”. E deu-lhe o papel que lhe fora ofertado momentos antes. Sua mãe sabia que ele não tinha ainda consciência da sua débil condição física, por isso fez um esforço tremendo para conter a mágoa e aceitou. Júlio faleceu duas semanas depois, sem nunca se aperceber que o “descobri-vos” era aplicado com o sentido de instar as pessoas a tirar o chapéu em sinal de respeito, para quem ali se encontrava sepultado e agora para com ele próprio. Na sua pequena sepultura, ao lado da de sua irmã, podia-se lêr: "DESCOBRI-VOS! NÃO TIREIS O CHAPÉU, PROCURAI ANTES ESPANTAR-VOS COMIGO, CONVOSCO E COM O MUNDO QUE VOS RODEIA!" Todos nós andamos perdidos, o caminho será longo e a incerteza virá a cada passo...!